sexta-feira, 27 de março de 2009

Frieda, a Vampira - Volume 1: A nobreza despida (1814 - 1854) - Capítulo 4: Do que o ódio é capaz

Muitos dias se passaram desde a partida de George e o vilarejo estava sendo antecipadamente preparado para o grande dia do casamento de Anton e Maria, que estava marcado para o quinto mês do ano seguinte.
A felicidade ali era grande, principalmente a do casal, que já fazia planos para aumentar a família logo depois de casados, planejando ter muitos filhos, preferencialmente um time de quadribol inteiro.
Além disso, boa parte da Irmandade trabalhava construindo a sede da Hoffer Corporações Mágicas e Serviços de Caça que, em aproximadamente um ano, começaria a funcionar fornecendo varinhas, vassouras, livros, ingredientes para poções, bolas para quadribol, o esporte dos bruxos e vários outros elementos que eram de serventia vital para os humanos nascidos com poderes. Também, essa indústria serviria para fazer o vilarejo crescer e servir de morada para bruxos, que conviveriam harmonicamente com os trouxas, nascidos sem poderes e de família não bruxa.
Os camponeses estavam muito faceiros com a chegada dos novos vizinhos que se instalavam nas proximidades, os bruxos ali chegados naqueles dias não eram nada do que ouviam falar, pelo contrário, pessoas muito sociáveis e bondosas que faziam questão de compartilhar do seu pão com os mais pobres do vilarejo, apesar de alguns dos bruxos serem bem inclinados à maldade.
Isso despertou a comoção de todos, principalmente da Irmandade, que muito estava aprendendo com aquelas pessoas que antes desprezavam e queriam queimar.
Os irmãos mais conservadores, agora sem ação devido à liderança de Harold e o fato de muitos dos aliados gostarem de Harold, ficaram furiosos inicialmente, mas depois viram que aquilo não tinha sentido, pois muitos bruxos ali eram cristãos, o que para eles era ótimo, porque eles queriam manter a ordem e a moral mesmo com aquela “invasão”, sendo a única ressalva dos irmãos mais conservadores alguns bruxos serem judeus, coisa que não importava para Harold, pois ele não tinha preconceito contra ninguém, exceto gente devassa.
Ártemis Winchester, apesar de toda a tranqüilidade de agora, andava nervoso e sem saber o que fazer, pois tinha certeza de que George tinha mentido sobre a noite da comemoração e armado algum tipo de plano, ainda que não soubesse qual e não pudesse provar. Ele tinha o pressentimento de que uma tragédia aconteceria.
Um dos bruxos recém chegados ali, um padre chamado Constantino Joseph Di Kholbe, perguntou o que se passava: - O que te aflige filho meu, posso te ajudar?
Ártemis disse tudo que pensava e Constantino disse com espanto: - Se o que me dizes é verdade, como vais provar? Sabes que não pode fazer acusações sem ter provas concretas!
- Pelo amor de Deus padre, o senhor tem de acreditar em mim! - exclamou Ártemis sem saber a quem recorrer, já que não contara a ninguém suas inquietações.
- Acalme-se, vamos ver o que posso fazer - disse o padre bruxo colocando as mãos nos ombros fortes de Winchester.
O britânico sentiu-se mais aliviado, pois formulara uma tese aparentemente absurda baseada nos fatos ocorridos nos últimos tempos: a de que Frieda tinha conseguido escapar de alguma forma do castelo quando houve a invasão dos camponeses, se instalara na casa de George e o seduzira com sua lábia de vampira prostituta.
Essa conclusão se fez quando ele levou em conta três fatos no mínimo inesperados: o saque feito na casa de Katy e Maria, a descrição da roupa da ladra feita pela menina Rowena e a camisola da vampira Karnstein ser muito diferente do que a pequena descrevera, o que o fizera concluir que a roupa engraçada era vermelha e provavelmente devia estar rasgada, pois o único modo que Frieda teria de escapar, mesmo com sérias chances de fracasso, seria pulando o muro do castelo para dentro do fosso, onde havia inúmeras moitas de espinheiro e água que corria em direção ao bosque.
Não contara a ninguém sua teoria a não ser para o padre, pois achava que alguém o chamaria de louco, pois vários dos irmãos viram e fizeram questão de mostrar a ele e ao resto as manchas de sangue na água e os pedaços do vestido vermelho dela boiando.
Porém, ele tinha dúvidas quanto a isso que vira e com esses acontecimentos recentes, elas aumentaram e uma única certeza tomara a sua mente: George armara um plano de vingança, algo que ele queria por causa de um fato que o deixara muito furioso, o castigo dado à sua irmã muito adorada devido à devassidão dela: mergulhada oito vezes em água muito gelada, Lucrecia contraíra a tuberculose que hoje comia seus pulmões.
Enquanto isso, George, já em sua mansão vienense, vivia dias maravilhosos com sua muito amada Frieda, que lhe proporcionava mais prazer do que nunca enquanto ambos pensavam em como iam ter contato com o imperador Francisco I, já que corria o Congresso de Viena na capital.
- Ah minha deusa, não posso acreditar que teremos de adiar nosso plano por causa deste maldito congresso, será que não há um modo de burlarmos essa burocracia em torno do imperador?! - exclamou George furioso.
- Calma meu amor, temos todo o tempo do mundo, vamos deixar a Irmandade pensar que está tranqüila e quando eles menos esperarem, vão estar no cadafalso da forca - disse Frieda rindo e roçando os seus caninos afiados na pele nua de George, além de deslizar as mãos pelo musculoso corpo dele.
- Tem toda a razão minha deusa, venha aqui meu amorzinho - disse ele sorrindo e envolvendo Frieda em seus braços para beijá-la e continuar com o que eles faziam naquela cama.
Simultaneamente, padre Constantino pensava nos fatos estranhos e na conclusão contada por Ártemis e apesar disso parecer muito absurdo, ele resolveu, naquela noite, investigar por conta própria, porém achava que não daria muito resultado, pois George tinha ido embora e a casa onde ele morava estava vazia e talvez não houvesse uma pista que levasse a algum lugar.
Quando anoiteceu, Harold, um dos poucos estrangeiros da Irmandade, foi ao encontro do padre para que tratassem de um assunto relacionado com a reforma da igreja local, para que o pároco começasse a rezar missas católicas, porém, no caminho, topou com o padre, que andava tão rápido que quase derrubou o holandês com o esbarro.
- Me perdoe senhor Harold, não foi minha intenção bater no senhor, é que estou consideravelmente nervoso depois que eu soube de uma coisa da qual ninguém aqui vai gostar, uma possibilidade terrível diga-se - respondeu o padre apavorado mesmo que não tivesse muita certeza das palavras de Ártemis.
- Nossa, mas está realmente nervoso e pálido como nunca tinha o visto! Pode me contar o que ele te disse? - falou Harold acompanhando o padre.
Constantino contou o que Ártemis dissera e o holandês respondeu incrédulo:
- Winchester só pode estar louco ou algo semelhante, pois nós vimos muito sangue e tantos pedaços de roupa, que certamente Frieda deve ter sido “despedaçada” pela água!
- Mas será que vocês não se deixaram levar por uma ilusão? Afinal, nem sempre o que vemos é o que de fato ocorre - disse o padre.
- Olha padre, o senhor não deixa de ter razão, porém, nenhum vampiro escaparia com vida daquele fosso a não ser que tenha muita sorte, porém, nós logo teríamos pegado a infeliz se ela tivesse escapado - falou Harold usando sua capacidade de dedução.
- Acontece que há pessoas que são muito mais inteligentes do que pensamos, então elas podem escapar diante dos nossos olhos sem que percebamos - falou Constantino com sua sabedoria misturada de bruxo e padre.
Harold refletiu sobre o que o pároco dissera durante uns minutos enquanto eles andavam e falou em seguida com um tom apreensivo: - Você vai ao castelo e depois na casa do George comigo? Quem sabe lá pode haver algo que eu ou os outros não tenhamos notado, pois eu refleti sobre isso que o senhor falou.
O padre concordou com um sorriso calmante e um aceno de cabeça e junto com Harold, passaram na casa deste e pegaram dois cavalos para ir ao castelo, porém, primeiro foram a casa antes habitada por George.
Lá chegando, eles viram os móveis cobertos por panos e começaram a vasculhar tudo em busca de alguma pista, então, para que ambos pudessem ver melhor, o padre sacou a varinha do bolso da batina e disse: - Lumus - e a casa toda se iluminou de repente.
Harold tomou um pequeno susto e disse: - Vocês bruxos tem feitiços muito práticos, assim a vida fica muito mais facilitada em todos os aspectos.
- De que adianta a vida mais facilitada se nem sempre estamos felizes? - questionou o sábio padre bruxo com expressão de quem já sabia a resposta da pergunta.
- Sim, o senhor tem toda a razão, sem Deus a vida é muito difícil - respondeu Harold com um sorriso.
Depois daquela curta divagação, eles recomeçaram a vasculhar a casa quando, de repente, Constantino encontrou algo que parecia ser um embrulho e chamou Harold, que foi correndo em direção ao padre e perguntou, olhando espantado aquilo: - Quem seria louco de esquecer um embrulho desses?
- Só que isso não é um pacote qualquer, é endereçado para a Irmandade - respondeu o pároco abrindo o embrulho e se espantando junto com Harold ao ver o que havia nele.
- Santa Mãe de Deus, isto é um sapato feminino e ainda por cima com uma carta! Mas o que isso está fazendo aqui?! - exclamou o irmão espantado.
- Lendo a carta talvez saibamos o que isso significa, afinal, quem quer que tenha deixado isso aí não deixou por deixar, tinha algum objetivo em mente - respondeu Harold tentando conter o espanto.
Fazendo mais uma vez o feitiço de iluminação, o padre leu a carta junto com Harold:
“Caros senhores da Irmandade:
Se estiverem lendo esta carta, eu já estou morta ou com muita sorte e proteção de Deus Nosso Senhor, ainda viva, porém não sei se algum dia serei perdoada pelos meus grandes pecados de mentir e acobertar.
A verdade é que o senhor Witcherwell jamais esteve doente naquele dia da comemoração e nunca teve um criado em Viena, o maldito Tutchenko sempre viveu na floresta e a carta que o patrão mostrou foi forjada pelo próprio para que vocês pensassem que a viagem era para ver Lucrecia, quando na verdade esta viagem tem outro propósito, diga-se, terrível.
Chamarão-me mentirosa pelo que lerão agora, mas a vampira Frieda, irmã gêmea da senhorita Maria Gelhorn, não morreu, pelo contrário, está viva e teve noites de muito prazer infame na cama do patrão, digo isso porque vi tudo com meus olhos que a terra há de comer um dia e afirmo que foi a coisa mais terrível que testemunhei na vida. Porém, o pior de tudo isso foi ter sido obrigada a atrair um jovem com proposta de trabalho e entregá-lo a monstruosa sede de sangue dessa rameira vampira, cujo corpo foi jogado por George Witcherwell na parte mais distante da floresta.
Pelo amor de Nosso Senhor, me perdoem por não ter contado a verdade antes, mas tive medo que este amaldiçoado George Witcherwell tirasse minha tão jovem vida antes que eu tivesse ao menos a chance de tentar reparar meus grandes pecados.
O propósito desta ida para Viena é colocar todos na forca, usando como provas um diário por ele escrito e o diário do falecido líder Gustav Weil, por George pego das mãos da viúva deste, em um dia que o segui escondida para ver o que ele fazia com a desculpa de comprar verduras da senhora Günther.
Não sei explicar como aquela rameira escapou da morte certa, mas eu digo que ela é extremamente perigosa e capaz de tudo para ver os senhores com a corda no pescoço e balançando no cadafalso da forca, por favor, façam alguma coisa para evitar tamanha desgraça.
Atenciosamente, alguém que pode já estar morta, Sabine.”
- Pela Virgem Maria Mãe de Deus, como isso pôde ser possível se é que foi mesmo?! Não podemos acreditar a não ser que tenhamos provas mais concretas! - exclamou Harold ainda sem acreditar e horrorizado com a parte do assassinato de um jovem.
- Por favor, vamos manter a cabeça fria, ficar com ela quente não vai nos adiantar nada. Temos de ir ao castelo e, no caminho, você me conta o que aconteceu lá no dia da morte do Conde Karnstein e aí quem sabe, podemos chegar a uma conclusão de fato - falou o padre pondo as mãos nos ombros de Harold na tentativa de acalmá-lo.
- Não sei como você consegue acalmar alguém e ficar calmo em uma situação onde podemos estar a ponto de sermos condenados à morte - falou Harold surpreso com a calma do pároco bruxo.
- Como eu disse antes, manter a cabeça fria nesse tipo de situação sempre nos faz pensar melhor, ainda mais quando talvez tenhamos de tomar providências sérias - disse o religioso de modo calmo e suspirado.
- Meu Deus, nós então temos de passar na casa de Katy e Maria e avisar a elas sobre isso, afinal, estamos com o que possa ser um dos sapatos daquela porca chamada Frieda - falou o holandês pensativo.
- Não agora, primeiro vamos ao castelo colher pistas e depois falaremos com todos sobre isso, não podemos tirar conclusões precipitadas - afirmou o padre tão pensativo quanto o holandês.
Harold concordou sem dizer uma palavra enquanto junto com o pároco, pegava os cavalos para irem até o castelo e coletar as pistas necessárias para quem sabe, chegar a uma conclusão não muito boa.
Enquanto eles cavalgavam até o castelo, Harold contava ao padre o que acontecera no castelo no dia em que Frieda tinha “morrido”. Isso fez Constantino perguntar: - Vocês não foram até o lugar de onde vieram as manchas de sangue e os pedaços de roupa vermelhos?
- Não, não fomos, ficamos tão felizes com o fato de ela ter derretido no fosso de água corrente que nem nos demos ao trabalho de ir ver mais profundamente, só vendo essas evidências achamos que fosse o suficiente e comemoramos - respondeu Harold se lembrando do fato.
- Então vocês podem ter cometido um erro fatal, pois a probabilidade de Frieda não ter morrido uma segunda vez é infelizmente enorme, embora você não acredite, e isso pode pôr a Irmandade em perigo de ser condenada à morte pelos crimes de execução sumária sem autorização imperial - falou o padre com espanto, mas tentando permanecer calmo e logo dizendo: - Se George tem mesmo as provas necessárias para acusar vocês, ele pode conseguir o que mais deseja.
- Mas que motivos ele teria?! Nós nunca fizemos nada de mal para ele e nem lhe demos razões para nos odiar! - exclamou Harold em desespero.
- Alguma coisa deve ter acontecido para despertar esse ódio, afinal, George não fez isso sem ter motivo, além do mais, teremos de confirmar essa história do diário com dona Katy - disse Constantino calmamente e confortando a mente já perturbada do holandês.
Depois de um bom tempo indo colina acima, eles chegaram ao local e por vontade própria, Harold levou o pároco até o local de onde vieram as evidências da segunda morte de Frieda e deixou o padre analisando enquanto olhava a carta enviada por Sabine.
Nesse momento, o holandês leu novamente a carta e lembrou-se de como George entrara na Irmandade: este fora pego em atos devassos com uma camponesa e acabou sendo ameaçado de castração, além de ter sido chicoteado, o que deixou marcas para o resto da vida nas costas do britânico Witcherwell. Além disso, a irmã deste fora pega em devassidão e acabou sendo mergulhada em água extremamente fria, o que a fez ir morar em Viena depois pegar uma séria tuberculose, doença que a acometia há cinco anos.
Depois de muito refletir, Harold fora em direção ao padre para dizer a que conclusão chegara, porém, ao vê-lo em pé com uma expressão de incredulidade e ao mesmo tempo espanto com o que tinha visto no lugar em que estava, exclamou: - Padre Constantino, não me diga que é verdade, pelo amor de Deus, temos de estar enganados! - usando a sua capacidade dedutiva para traduzir as palavras que não queriam sair da boca do pároco.
Depois de um minuto quieto, Constantino respondeu: - O melhor é que você mesmo veja, porque eu não tenho palavras para o horror que descobri, por Deus, que sorte acompanha esta devassa do inferno, essa filha do Diabo?
- Por favor, padre, não me faça ouvir uma coisa dessas, já me bastou traduzir o que estava escrito nos seus olhos! - exclamou o irmão indo ao local apontado pelo pároco.
Ali chegando, olhou a moita e viu o que não queria: sangue seco nos espinhos e alguns pedaços de roupa ocultados pelas folhas, além do arbusto todo remexido como se tivesse sido pressionado para baixo, o que fez Harold gritar histericamente socando a vegetação: - Não pode ser meu Deus, não pode! Que pecado nós cometemos para merecer tamanho castigo?! Por que tanto ódio dele por nós?! O que fizemos de tão errado?! De onde vem a sorte dessa criatura do demônio?! Eu me sinto um idiota, um verdadeiro idiota!
Constantino tirou Harold de cima do arbusto e falou: - É melhor falarmos com Katy e Maria sobre isso e colocar curativo em tuas mãos, elas estão sangrando por causa dos espinhos.
- Por favor, padre Constantino, me responda por que isso aconteceu e como aconteceu?! O que será de nós agora?! - exclamou o holandês chorando e se agarrando sobre a batina do padre bruxo, deixando-a com marcas de sangue.
- Só Deus sabe, agora sou eu que não sei de mais nada - respondeu o pároco com espanto e abraçando o choroso irmão.
Os dois, totalmente desconsolados com as descobertas e levando as evidências encontradas, voltaram ao vilarejo para falar com as duas mulheres da família de Gustav Weil. Lá chegando, Harold perguntou com muita tristeza: - As prepararemos primeiro ou seremos diretos?
- Sermos diretos, é o melhor a fazer - respondeu o padre com desconsolo.
Enquanto seguiam até a casa de Katy, os dois foram abordados por um grupo de irmãos muito esbaforidos liderados por Lauzun, que exclamou com alívio e espanto: - Onde estiveram que passaram quase toda a noite fora?! Procuramos vocês como loucos, está a ponto de amanhecer o dia! E pelo amor de Deus Harold, o que houve contigo?! Tuas mãos estão quase em carne viva!
- Se vocês irem até a casa de dona Katy e chamar o resto da Irmandade, eu conto, porém, terão de se preparar, pois tenho péssimas notícias, mas, por favor, me deixem primeiro colocar curativos nas mãos machucadas do pobre Harold, que está em estado de choque - falou o padre indo com o desconsolado holandês ao salão da igreja.
- Ah meu Deus, onde eles foram e o que foram fazer? Eu espero que não seja nada relacionado com o mal, senão, não saberemos o que fazer - disse um dos irmãos do grupo ali presente.
- E se for?! Vamos novamente ao castelo e damos cabo dos monstros! - exclamou outro irmão que estava muito determinado a fazer o que fosse preciso.
- Eu receio que seja ainda pior - falou Ártemis Winchester de modo que as palavras quase não saíam de sua boca.
- O que pode ser pior do que isso?! - perguntou com espanto o irmão que usava lenço branco.
- Eu não tenho coragem de contar, eu deixo a palavra com o padre, ele saberá o que decidir depois disso - falou Winchester impressionado com o rumo que as coisas tinham tomado, pois ele sabia muito bem o motivo do desconsolo de Constantino e Harold.
Já dentro do salão, o pároco cuidava dos ferimentos de Harold enquanto este ainda chorava muito depois da desnorteante descoberta e consolava o coração sem paz do pobre homem, que se sentia um fracassado:
- Como eu fui capaz de permitir que aquele britânico desgraçado escapasse com o diário do Gustav e com aquela puta dos infernos?! Eu devia ter escutado Ártemis quando ele falou mal do George, eu devia ter percebido que Witcherwell era um biltre sem escrúpulos desde o início, pena que Gustav não tenha feito o mesmo antes, meu Deus, que horror, eu sou um incapaz, um completo fracasso! - exclamou aos prantos o irmão líder da Irmandade.
- Não diga isso Harold, você é um homem maravilhoso e a Irmandade aprende muito com a sua tolerância - falou Constantino colocando curativos nas mãos do holandês e dizendo logo em seguida: - Além do mais, as aparências enganam muito e todos nós erramos um dia.
Harold deu um sorriso e disse mais calmo: - Tomara que um dia o papa da Igreja Católica te canonize, pois você é um homem santo que sempre tem as palavras e gestos certos para deixar todos mais felizes, saiba, que a partir de agora, você é como um filho meu, além dos dois que já tenho - e abraçando o padre bruxo originário da Prússia.
Constantino sorriu e disse retribuindo o abraço: - Fique sabendo que você também é como meu pai agora e o será pelo resto das nossas vidas.
O irmão e o padre ficaram alguns minutos reunidos em um abraço paternal, quando foram interrompidos pela viúva Katherine Marianne Weil, Katy, que disse de forma determinante: - O senhor mandou nos chamar? Um dos irmãos foi correndo até minha casa e disse que o senhor precisava conversar comigo, com Maria e a Irmandade, então, eu e os outros queremos saber qual é o assunto de uma vez por todas.
- Sim dona Katy, eu direi, então, mande todos que estão aí fora entrar e sentar, que já subirei ao púlpito - falou o pároco bruxo.
Maria, acompanhada pelo futuro marido Anton, entrou à frente da Irmandade, que adentrou rapidamente o recinto para ouvir o que o padre tinha a dizer. Já sentados, Maria, Anton, Katy e os irmãos esperavam com expectativa Constantino falar enquanto este colocava em cima de onde estava um saco em que estavam as fatais evidências.
- Caríssimos, o assunto é muitíssimo grave e preciso que ouçam com atenção esta carta que será lida pelo irmão Harold, mas, por favor, entendam que isso está muito relacionado com o que está guardado aqui comigo - disse o pároco tirando de dentro de um saco as provas da terrível descoberta feita no castelo.
Harold leu devagar o papel e todos ouviram com atenção a leitura enquanto o padre colocava em cima do púlpito o que estava guardado no saco: os pedaços de roupa, vários espinhos com sangue já seco e o sapato pertencente a Frieda.
Quando a leitura terminou, todos estavam em caos verbal, falando ao mesmo tempo sem conseguir se entender, quando o padre fez um gesto para todos se calarem e chamou Maria e Katy ao altar, perguntando com o calçado na mão: - Reconhecem isto senhoras?
Maria, quase sem voz de susto, respondeu que sim enquanto Katy desmaiou com o que viu, sendo imediatamente acudida por alguns irmãos, que procuravam tentar acordá-la enquanto Anton subia ao altar para olhar mais de perto aquelas provas. Observou-as e disse com espanto: - Não é possível que um irmão tenha sido capaz de cometer um ato horrível desses e que aquela rameira maldita tenha ficado viva, não pode ser!
- Infelizmente é Anton, eu e Harold descobrimos quando nós fomos ao castelo investigar, eu sei que é horrível, mas essa é a situação, com tendência a piorar cada vez mais - falou o padre de modo calmo, tentando tranqüilizar o bruxo, mesmo que fosse impossível ficar tranqüilo em uma hora daquelas.
- Eu não disse que Harold é um tapado?! Se eu tivesse sido eleito líder, esta vadia e aquele biltre não tinham saído vivos daqui, nunca mesmo! - berrou Wolffenbüttel furioso.
Todos berraram que ele ficasse quieto, enquanto Clifford dizia: - O que você tem de enorme, tem de burro também, pois apesar de Frieda estar viva, foi por causa do Harold que pegamos todos os Karnsteins. Então, pegar esta aí é a coisa mais fácil, é só darmos um jeito de ir a Viena, cravar uma estaca nela e dar um tiro no meio das fuças de George! - deixando os irmãos exaltados.
- Se tivermos que fazer isso, que seja de forma que não sejamos pegos pela guarda imperial! - disse outro irmão, em seguida ficando quieto porque os outros diziam que Katy estava recuperando a consciência.
Recuperada do susto e consciente, Katy exclamou apavorada: - Como pode ser plausível algo assim?! Eu vi as gêmeas serem bem criadas por minha cunhada e agora vejo uma das minhas sobrinhas, Frieda, totalmente degenerada, virada em uma prostituta de luxo, porém, sendo a mais horrível delas no pior dos sentidos, além de uma assassina fria e sem escrúpulos! Pelo menos encontrem o corpo desse pobre menino e lhe dêem um enterro digno!
Todos ficaram sem saber o que fazer diante daquela inesperada situação, em que começava uma nova época para o vilarejo Karnstein e a Irmandade, que agora, começava a pagar por seus erros de justiça.

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